segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

OUSAR O SALTO MORTAL

O Circo Místico (Edu Lobo / Chico Buarque)

Não
Não sei se é um truque banal
Se um invisível cordão
Sustenta a vida real

Cordas de uma orquestra
Sombras de um artista
Palcos de um planeta
E as dançarinas no grande final

Chove tanta flor
Que, sem refletir
Um ardoroso expectador
Vira colibri

Qual
Não sei se é nova ilusão
Se após o salto mortal
Existe outra encarnação

Membro de um elenco
Malas de um destino
Partes de uma orquestra
Duas meninas no imenso vagão

Negro refletor
Flores de organdi
E o grito do homem voador
Ao cair em si

Não sei se é vida real
Um invisível cordão
Após o salto mortal

Composta como parte da trilha sonora do espetáculo teatral "O Grande Circo Místico", e gravada no LP homônimo por Zizi Possi.class="MsoNormal">___________________________________________________________________

Queridos amigos,

Este ano, como sempre, tento oferecer, a todos, alguma reflexão acerca de minha experiência.

Vã filosofia? Com certeza, pois nada se equipara a viver.

Faço isso, este ano, inspirado pela canção cuja letra foi acima reproduzida, uma descoberta recente, cujo áudio, em MP3, posso enviar a quem pedir. Como incentivo, devo dizer que é uma das dez canções mais lindas que já ouvi.

Contemplando comparativamente o que estou prestes a perder (minha profissão) com o que muitos julgam que já terei perdido (outra profissão qualquer), resolvi fazer uma espécie de desabafo.

Fiz isso frente à dolorosa contemplação do momento em que me vejo: prestes a ter de encarar a triste – mas distintamente real – possibilidade de ter de abandonar a arte que venho praticando desde a adolescência – tocar bateria –, o que pode ocorrer em função de duas limitações físicas: uma é motora, de caráter neurológico-muscular, e a outra é anatômica, de caráter neurológico-esqueletal.


Isso já vem ocorrendo há cerca de dois anos, e a condição se agrava, infelizmente, de modo lento e implacável.

Tanto que hoje não posso dizer que sei ao certo quanto tempo me resta como baterista profissional. Está difícil tocar, sim, e muito.

Mas, ainda assim, tenho condições técnicas boas o bastante para fazer com que prossiga atuando profissionalmente, consciente de minhas limitações e ciente de que devo manter-me atento ao grau delas para não prejudicar quem atue a meu lado.

Se sentir que terei de parar, irei fazê-lo, mas não sem antes ter esgotado todas as alternativas de luta.

Ainda bem que sempre tive boa saúde! Por sorte, com a graça de Deus, sempre vivi em ambientes musicais essencialmente saudáveis, em que minha opção por não me drogar (nem com bebida) foi respeitada – ou, como agora, ela era a mesma opção adotada pelos colegas.
Com isso, mantive praticamente intacta a minha saúde, à exceção do que ora me afeta, ocasionado, possivelmente, por movimentos repetitivos, que estão no cerne de minha atividade.

Estou feliz, como sempre, apesar de tudo, por dar-me conta de tudo aquilo que já realizei, do quanto já poderei ter contribuído para o bem-estar das dezenas de milhares de pessoas com quem terei compartilhado minha arte, nestes últimos 32 anos de atividade profissional.

Fico, agora, a imaginar como eu me sentiria, hoje, caso não tivesse dado o meu primeiro salto mortal. Caso tivesse cedido às tentações de usar minha inteligência (que, sem falsa modéstia, reconheço não ser pouca) em detrimento de minha vontade.

Imagino como me sentiria se tivesse escolhido tocar bateria apenas como hobby e feito algo diferente de minha vida, como estudar qualquer outra profissão, uma que fosse considerada (ou suposta) como sendo mais digna e aceitável do que a minha – por cuja escolha, uma vez comunicada em meu lar, fui expulso de casa, por meu pai, 33 anos atrás.

Eu sabia que poderia ter obtido mais, no sentido material, se tivesse agido de outro modo? Sim, nunca fui tonto. Simplesmente não o quis. Quis ser o que sou. (Ah, sim: e ainda existia a chance de ficar rico e famoso!)

Arrependimento? Nenhum, nem o mais leve. Por isso resolvi falar sobre fazer escolhas com o uso da razão que há no coração, deixando claro me machuquei feio que sempre que fiz escolhas diferentes.

Então hoje, em pleno dia de Natal, a sós com minha consciência, parei pra pensar e senti. Pensei, e cá estou, a escrever.

Agora quero compartilhar algumas impressões dos resultados que obtive, compará-los a muito do que já contemplei e a muito do que me foi dito.

Minha percepção sempre me indicou o acerto de minha decisão instintiva, nos sempre deliciosos momentos em que trabalho – sempre foi bom saber que minha plena realização dependeu apenas do cumprimento de um dom.

Por outro lado, sempre me causou algum desconforto contemplar tantos trapezistas presos ao chão. Por isso, entre outras coisas (bebidas e cigarros, tóxicos legais), sempre evitei tocar em locais em que o contato com platéias fosse íntimo. Causava-me incômodo perceber alguma melancolia em alguns olhares cheios de ardor dirigidos aos palcos em que atuei – ainda que fossem olhares plenos de admiração.

Sempre ficava, em minh'alma, aquela ponta de desconfiança se parte desse encantamento não teria origem causada na frustração de gente que, claramente, gostaria de ter dado a vida para poder estar no lugar do artista.

Nunca vi nada disso como demonstração inveja e nem cobiça, apenas como frustração por não ter feito como doidos como eu e saltado aos ares da possibilidade de vida pela qual clamava a alma de cada um.

Eu dei a minha vida para não ter de olhar ninguém assim, com algo que pudesse parecer inveja (o que, repito, sei nunca ter sido o caso, comigo, pois, ao ter sido olhado, sempre vi carinho).


Tive admiração, tive vontade, tive ímpeto, tive coragem e agi, transformando minha vida num ato ditado pela vontade mais natural que emergiu de minha alma, uma dentre tantas que emergiram, emergem e emergirão.

Hoje, feliz e realizado como artista, alguém cuja intenção é doar de si, entendo o pleno acerto de minha escolha, apesar de haver, talvez, uma outra cuja consecução pudesse levar-me à felicidade.

Mas nesta outra, à qual ora me dedico, ao estudar Direito, certamente não teria tocado tantas almas, não teria contribuído tanto para o enlevo do espírito.

Com essa perspectiva, minha vida adquire um novo valor, e sei, com certeza, que não teria sido igualmente feliz caso tivesse optado por nela ter ingressado pela via “mais fácil”, “mais natural” de ter seguido carreira como a de medicina, a exemplo da de papai. (continua)

3 comentários:

Pat Ferret disse...

Porcariazinha de fim de ano fudêncio, né, 'migo? Qdo eu puder beber de novo, vamos tomar um sakê (sim, pra vc, tem que ser sakê. E, de repente, eu posso até tomar uma tacinha de champanhe... Rsrsrs)?...

Precisando, me liga! ;-)

TULIO FUZATO disse...

Sua Mensagem é Linda Amigo Batera!!!
SUBLIME!!! e embora vc esteja passando por essa "prova de fogo", sua têmpera não derreterá independente
de sua postura perante os "TAMBORES" ..... Seu Amor, sua Musicalidade, enfim: vc é único kerido Amigo!!! .....
de 2003 pra cá eu me tornei um Amputado: UM BATERISTA AMPUTADO e sinceramente pensei em parar ......
mas não parei!!! então penso que em algum dia vou ter que "jogar a Toalha" ......
faça como eu: vá até onde Deus permitir e suas forças aguentarem!!!
independente disso eu e os Amigos de verdade (não akeles amigos di copu) mas os de verdade que te Amam,
irão te dar suporte e meios de vc se alimentar daqueles tão doces harmônicos dos Tambores & Cymbals dessa vida.
FELIZ 2009 E saiba que eu estou aquí ....
abçs: Tulio
www.tuliofuzato.com.br

Anônimo disse...

????
Queria estar mais junto.
Precisando estamos aqui. Torcendo agora mais que nunca pelo teu sucesso.
Tamos só começando....

Abs´09