terça-feira, 30 de dezembro de 2008

OUSAR O SALTO MORTAL - III (FINAL)

E ser feliz é tão fácil, meu Deus! Tão fácil!

Artistas costumam ser felizes porque realmente escolheram fazer o que fazem, apesar de muitos não-artistas considerarem a arte como uma ocupação adequada aos preguiçosos, àqueles que fracassariam fragorosamente no mundo real, onde o “pega pra capar” é mais forte, onde “o buraco é mais embaixo”.

Essa noção costumava aborrecer-me. Hoje, após ralar tudo o que ralei, acho-a meramente risível.

Poucos, muito poucos, têm a mínima noção do trabalho que dá ser artista. Poucos, em anos de trabalho, já se concentraram tanto quanto um artista se concentra nos poucos minutos de duração de uma única performance sua, cuja execução pode ter dele exigido anos de treinamento técnico e dedicação repetitiva.

Poucos estudaram tanto, e por tanto tempo, quanto um artista. Poucos continuam a estudar por tanto tempo quanto um artista.

Mas isso não importa, porque artistas poder ser pagos para distrair todo mundo de tudo, mesmo de frustrações! Artistas vivem para isso! Então é óbvio que alguns artistas frustrados sempre podem alimentar seu desejo por arte ao usufruir trabalho artístico. (Certos críticos, aliás, ainda conseguem viver disso; alguns deles, numa espécie de revanche de inveja vingativa, falam mal de artistas, mesmo sem saber diferenciar um mi bemol de um peido de cabra!)

Como artista, agradeço, sim, sou pago dessa forma. Mas também lamento.

Eu preferiria ter mais colegas que platéias!

Mas muitos bons artistas sufocaram suas vocações em função de uma noção distorcida do que seja a vida, muito mais baseada em materialismo do que na simplicidade de ser feliz com muito pouco – como fui, na maior parte de minha vida.

Já passei por apertos terríveis, mas a música sempre me consolou, mesmo no pior deles. A música NUNCA mentiu pra mim, e sempre soube ser simpática à minha eventual falta de competência ou dedicação - ela é complacente, mas nunca indulgente.

Por isso sempre saí de cena quando a música ia mal, à exceção de uma única ocasião, quando atuei como um dos salva-vidas desta mesma música (uma que ia mal).

Sei perfeitamente bem que até mesmo em minha carreira poderia ter evoluído mais, mas sempre preferi sinceridade a fingir que estava feliz onde não estava ou a puxar o saco de qualquer um ou fingir que a música funcionava, quando estava claro que nunca funcionaria. Teatro nunca foi meu forte.

Com isso, a música que produzi sempre foi honesta, e com essa atitude de desprendimento descobri que a vida pode ser bem mais do que a peça encenada cotidianamente no Grand Guignol da pusilanimidade e da acomodação, onde marionetes covardes encenam atos de sucesso para uma claque paga por suas próprias conveniências, todas ditadas por ambições, posto que não hesitariam nem por um segundo em atropelar aqueles astros que aparentemente idolatram.

Lamento, também, que poucos artistas materialmente bem sucedidos no teatro da vida consigam deixar de entregar-se de modo tão agudo aos prazeres da boa vida.

Lamento, mais ainda, que muitos vivam envenenados pelas benesses obtidas pelo “sucesso”, disfarçando suas inadequações à verdade de sua arte – seja esta qual for – ao se tornarem em seres voluntariamente intoxicados por substância danosas à saúde, fazendo uso delas sistematicamente, com freqüência diária, às vezes.

Com isso vão tornando-se lassos (em todas as acepções do termo: fatigados, cansados, dissolutos, enervados, gastos, bambos, relaxados, frouxos), com o coração e os pulmões a explodir, com os fígados a estertorar, mais e mais indispostos a reagir contra si mesmos a favor de si mesmos, cheios de excessos trazidos pela bonança de viver uma vida dita reta.

De onde estou, hoje – como um artista voador que decidiu contemplar a possibilidade de ter que sair do trapézio para apenas manipular com carinho a corda de alçada – sinto a vibrar, muito intensamente, em toda a minha atual pobreza física, uma enorme satisfação por tudo que pude me conceder no tempo em que voava sem receio, confidente em ser capaz de alcançar o braço do colega.

Sei que fiz a escolha certa. Sei que fui, sou e sempre serei são, com a graça de Deus.

Gostaria de poder incentivar todos os que uma vez trocaram o caminho de suas vocações a abrir um atalho em direção à felicidade de figurar no centro do picadeiro de seu próprio circo, sem medo de fazer o papel do palhaço (que, por acaso, é o artista que mais admiro e com o qual melhor me identifico).

Queria que todos, em todo o mundo, fizessem o mesmo. "Djá!" como diria Walter Mercado... hmm, nem tanto. Já!

Que todos deixassem de fingir e passassem a ser o que realmente são.

Mas como iria poder ajudar a fazê-lo sem auxílio da consciência e da coragem de cada um?

Não tenho poder algum sobre ninguém neste mundo, e nem quero ter, pois prezo a liberdade acima de tudo.

Minha mulher é o melhor exemplo de que ajo como falo; ela sabe disso, e vive sua vida afastada de mim, com grande liberdade. Quase nunca nos encontramos. Passamos semanas sem nos falar. Mas ela sabe, assim como eu sei, que estamos juntos por escolha, que nada além de nossa livre vontade espiritual de estar com o outro é motivo de nossa milagrosa união.

Assim como eu, ela sabe que tudo pode mudar, pois há liberdade. Mas parecemos ambos inteligentes o bastante para considerar que temos pouquíssimas chances de encontrar alguém mais que, como nós dois, possa dar tanto de si ao outro, mesmo na mais prolongada das ausências.

Para mim, basta saber que ela existe, e não poderia ser desonesto em afirmar que pode haver outra. Ter outra seria trair a mim mesmo, desonrar a minha verdade.

Hoje, por exemplo, não tenho a menor idéia de onde ela esteja. Não nos falamos desde muito antes deste Natal, mas nem assim pretendo acompanhar seus passos, quando nos falarmos, indagando, mesmo casualmente, onde esteve, a não ser que ela decida dizer, espontaneamente.

Amor não é complicado quando existe confiança no outro e no próprio sentimento. Não preciso dizer a ela o quanto a amo, porque meu amor veio dela. Ela sabe.

Sempre será assim, não importa se o tempo e a distância que nos separam pudessem ser confundidos por outrem com algo diferente, como frieza ou desinteresse. Eu apenas espero, pacientemente, sabendo que serei outro ser humano, pior do que sou, se me deixar afetar por nosso afastamento, até porque este não é compulsório, isto é, nós decidimos assim.

Apenas torço e rezo para que ela esteja bem, com saúde, cuidando de si, mas sem querer acompanhar seus passos para saber disso. Ela deve saber de si. E sabe, com certeza, que sempre estarei aqui, pronto para dar qualquer auxílio de que necessite, mesmo se estiver além do meu alcance. Mas caminha sem interferência minha, exceto para ajudar, a pedido seu ou quando percebo que ela necessita.

Neste ponto da vida em que estou hoje, como pai, os únicos passos que posso acompanhar a interferir (mas sem interferir demais), são os passos de minha pequena bailarina, Alice, minha filha, o segundo grande amor da minha vida. (Digo “segundo” porque só descobri o valor desse sentimento após conhecer minha mulher, que o extraiu de mim, pela primeira vez na vida, há pouco mais de dois anos.)

Meu poder sobre ela é legal, e busca preservar sua integridade física e moral. No mais, sempre será ela consigo mesma.

Não posso querer seu respeito sem conhecê-la e respeitá-la, aceitando suas idiossincrasias. Não tento mudá-la, apenas chateio um pouco, de vez em quando, porque sou mais criança do que ela e quero sair, brincar, rir e me divertir quando ela, se deixada na sua, ficaria em casa.

Adoraria se ela descobrisse em si uma artista, e tentaria ajudá-la do mesmo modo como a educo: com a troca de experiências e ao proporcionar oportunidades de ver o mundo sem ilusões, mostrando todos os lados que conheça. Não quero criar uma pessoa iludida com a vida.

Mas se ela se descobrir uma permanente incógnita, uma metamorfose ambulante, eu a acompanharei em todas as suas buscas, assim como sempre me dispus a acompanhar todos vocês, amados amigos, em sobressaltos causados por seus saltos rumo ao desconhecido. E é cada trambolhão qu‘ocês toma!

De um modo ou de outro, somos todos uma coisa só, e a disposição de cada um em dar o salto para cada novo dia seguinte já é grande o bastante para dar conta de ter arte na vida.

Cuidem muito bem de si mesmos, em corpo e alma (nessa ordem) neste ano que se inicia daqui a pouco, e saibam que sempre estarei aqui, a balançar em meu trapézio, livre, leve e solto, mas pronto a estender a mão – mesmo que eu precise descer, mesmo que eu precise deixar de voar, seja pelo tempo que for.

Sem vocês, meus amores, eu não sou ninguém!

Mas todo o cuidado é pouco, comigo, porque eu também posso cair e me machucar!
Liberdade deixa a gente leeeeeve...

Saúde, paz, amor e luz, muita luz, são os desejos da atual família Leme (que pretende crescer, um pouco),
Mario, Alice, Dandara, Francisco, Roberto, Vini e Tunico

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

OUSAR O SALTO MORTAL - II

Por isso penso, agora, avaliando a validade de minha experiência.

Acho que se não pararmos para pensar na vida, pelo menos de vez em quando, nem que seja para compartilhar da experiência, estaremos vivendo sozinhos, felizes em contemplar nossos umbigos, em egolatria totalmente tola.

Não digo nada, aqui, para jactar-me do tanto que fiz. Digo-o apenas como incentivo à execução do salto mortal!

Por que fazer algo, qualquer coisa, diferente do que realmente queiramos? O que nos obriga a chegar a ponto de viver a vida inteira num exercício de ser diferentes do que de fato somos?

Acho que se eu tivesse sido médico, pra ficar no exemplo citado, teria sido, com certeza, um excelente profissional. Seria um médico muito rico e bem sucedido, não tenho dúvida alguma.

Mas estaria, com certeza, no exercício de uma possibilidade diversa da de minha vocação, entretido com um jogo de espelhos tortos, em cujas imagens basearia minha projeção material.

Estaria a viver em função da projeção externa de uma imagem distorcida daquilo que sou, do que habitava o âmago de minha essência. Em suma: pareceria ser o que era, mas não seria aquilo, de verdade!

Em verdade, viveria a massacrar meu instinto com o uso que teria feito de minha inteligência, em vez de ter me aproveitado dessa mesma qualidade pessoal para viver plenamente meu instinto - assim como fiz, tornando-me tão feliz.

Fingiria ter pleno gosto no que fizesse, pretendendo me enganar quanto a estar satisfeito com o que pareceria ser (ou seria) – mesmo sabendo que queria muito ter sido algo totalmente diferente.

Estaria, em suma, sempre, a contar uma mesma mentira a mim mesmo, permanentemente a fingir acreditar que considerava aquela mentira como uma verdade.

E, assim, estaria mentindo para o mundo inteiro, o tempo todo.

Com isso, desgraçadamente, teria transformado minha vida inteira em uma mentira, o que teria feito para satisfazer alguém mais, algo mais ou, sei lá eu o quê, uma noção qualquer, socialmente mais aceita, mais palatável de ter optado “melhor”, escolhendo algo possivelmente (ainda hoje) "mais certo", "'mais rentável". Ainda mais no meu caso!

Teria feito todo esse esforço em construir uma vida alternativa à que minha verdade comandava para não ter de lidar com a frustração por não ter cumprido a vocação que tenho; frustração que se acumularia, no tempo, em proporção direta ao intervalo em que tivesse estado afastado dela - caso um dia me reaproximasse.

Meu Deus! Valei-me, Santa Cecília! E pensar que poderia morrer afastado dela! Eu hoje poderia estar envelhecido, por dentro e por fora, carcomido pela covardia!

Quando tenho de olhar para para as imagens de alguns dos meus pares de geração, quase todos encanecidos, cansados, amargurados, azedos, tristes, gordos e, então, percebo a forma como encaram a minha imagem, sinto uma estranha sensação de vergonha!

Meu Deus, por quê? Por ter-me permitido percorrer o íngreme acesso que leva à felicidade da alma, ao invés de ir pelo caminho plano que me teria levado à "felicidade material" (entre aspas, porque, francamente, não acredito nisto: ser feliz no acúmulo de matéria, por si só).

E então repito, ainda, atônito, as mesmas perguntas que fiz a cada novo testemunho de uma das muitas vocações perdidas que acompanhei.

Por que não tentar, meu Deus? Por que não ousar? Por que ter de vir a usar alguma espécie de tóxico pra esquecer do trabalho de que não se gosta quando se pode, ao invés, estar sempre embriagado pelo trabalho que ama?

(Quando trabalhei em hospital, conheci um médico, filho de médico, que ocasionalmente se drogava com morfina, para poder anestesiar-se e conviver com a profissão, pois a dor que a presença da morte lhe causava sempre fora algo totalmente insuportável - eu ouvi isso diretamente dele, pessoalmente, olhos nos olhos.)

Então eu acredito piamente, hoje, com tudo o que sei e vivi, que há perigo para a alma em fazer uma escolha menos que natural.

Se não nos detivermos o bastante a observar a vida, para perceber o risco que SEMPRE há em viver, sejamos sambistas ou engenheiros, poderemos nunca tentar – ou sequer intentar – a ousadia de dar qualquer salto diferente daquele mesmo velho truque de todos os dias, algo cujo equivalente, no "mundo artístico", seria aquele ato burocrático de um artista desonesto com seu público e sua arte.

Triste espetáculo! Ambos cansados, ato e autor estacionarão na vida. Poderão serão bem avaliados, ao serem examinados acerca de seus conceitos – próprio, de si, e alheio, sobre si.

De si, por certo, estarão sempre cheios, de um modo ou de outro, seja enfarados ou cheios de si. Alguns a disfarçar o enfado a fingir encher-se de si.

O autor, acomodado, viverá em torno de algo que garanta ilusão de conforto, estabilidade, sucesso. Bens. Coisa que tem. Coisas. Nada.

Pensa o artista acomodado: "Mudar? Pra quê? Posso, no máximo, mudar de praça, trocar os figurinos e cenários, viajar o mundo, conhecer coisas, pessoas e lugares novos."

Sim, pode. Mas com a alma pela metade, vivendo apenas de sua energia, não do ânimo que pode proporcionar.

Todo mundo pode fazer isto: viver a repetir seu invariável ato e suas variantes, algumas até mesmo bizarras e aventureiras, vezes sem conta, apenas por "segurança".

Todo mundo pode ousar, de vez em quando, tentando um novo número, ensaiado vezes sem conta, mas para só brincar de viver.

Fará testes e mais testes para atos que não tornará públicos, com base na segurança de que sempre haverá algo que supostamente dará sustento, independentemente de o ato de viver ter perdido todo o seu brilho natural, pois tornou-se apenas em mecânica repetição de um mesmo número - o único que já tentou, o primeiro e último que tentará.

Morrerá famoso, mas sem dar à luz o mais pleno poder de sua criação.

É fácil um artista do trapézio sobreviver assim, a acreditar que exista algo, como uma corda presa ao teto, que mantém um único e feliz destino seguramente atado à volta do corpo, a segurá-lo e sustentar um eventual desequilíbrio.

Ou uma rede, que deixe esse ator que se faz artista – finge ser o que não é – despreocupado de si, caso se desconcentre a ponto de cair.

A cada sucessiva queda, basta um aceno simpático e viril à platéia para que tudo se novamemente se encaixe, e o ato tentado torna-se no mesmo sucesso de sempre.

Mas nada disso existe. Não há sucesso. Não há fracasso. Nada existe, além da alma. Não há segurança. Nada é permanente. Tudo pode mudar. É ilusão crer que tudo não possa ser como é: mutável.

Não há garantias de sucesso verdadeiro, na vida, exceto quando se ama o que se faz com paixão violenta e total entrega!

Sim, total entrega ao comando da alma!

Por quê?

Simples: quando a sustentação do ato assim for, advinda da alma, ela poderá vir somente do ânimo! Ainda que seja inexistente no espaço do picadeiro, enquanto for gestada, será permanente no tempo da vontade de realizar, até quando virar aplauso!

Um artista pode criar o mundo todo de novo em sua mente e saber que poderá dar vida à sua idéia, mas esso é o artista que cria, que muda, faz, desfaz e refaz!

O maior sucesso é fazer! Fazer com gosto, com verdade, por inteiro, entregando-se ao trabalho a ponto de esquecer-se inteiramente de si mesmo. Poucos fazem isso. É a mais rara das qualidades, na vida e na arte. (Muitos confundem excessos quantitativos com demonstrações de qualidade.)

Quantos artistas de verdade existem por aí, gente que nunca quis sequer descobrir a si mesma? Quantas dessas almas que terão de reencarnar para cumprir a missão de mensageiros de Deus que o Universo lhes atribuiu?

Muitos vão avante e depois retrocedem, receosos, e buscam atos mais simples e confortáveis. Outros, sem respeito próprio, usam a desculpa de que fazer arte seja coisa para vagabundos, para os pouco dispostos, para os que optaram por ócio improdutivo. Muitos esquecem de se pode fazer QUALQUER COISA com engenho artístico.

Pena. Um único descuido na escolha pode ser fatal! Ela pode ser descoberta como errônea após seus resultados terem sido tão prolongados no tempo da vida que este se veja encerrado sem que haja chance de escolher de novo, tentar de novo e errar de novo, se necessário.

Aos 50 anos de idade, caí, sim, muitas vezes. Tenho orgulho disso. Amo todas as minhas muitas cicatrizes, assim como tenho um enorme carinho por todos aqueles em quem possa ter causado uma ou outra marca indelével.

Quem se acomoda com o trapézio eternamente situado a dois metros do chão, segue o barquinho da mentira, vida afora, parando de porto em porto, tentando fixar-se em algum ponto. É um empreguinho aqui; um concurso ali; um bico cá; uma bocada acolá; estudos para formar-se em uma profissão totalmente afastada de toda a verdadeira vocação e talento.

Apenas para depois de tudo isso tentar conseguir passar num concurso para um bom emprego público, bem ao lado do porto de onde o barquinho zarpou, em sua viagem inaugural, tornando a vida numa longa trajetória no tempo; mas que, no espaço, levou do nada até lugar nenhum!

Tem gente que fica rica, assim! E acha bom! A todos, sem exceção, dou parabéns, a aplaudir de pé, pois eu não o conseguiria, jamais.

Enquanto o artista hesitante se prepara para dar seu salto, o seu tempo de vida passa ao largo, e o barquinho vira uma enorme estrutura amorfa, vagando em círculos concêntricos – ao redor do ego –, toda montada com a frustração do desejo verdadeiro a ser disfarçada de empenho em trabalho.

Tudo de mentira, tudo deixando de lado o dom recebido pela natureza, tudo para ganhar mais dinheiro do que seria necessário para viver em plena realização de sua vocação para ser, simplesmente, feliz. (continua)

OUSAR O SALTO MORTAL

O Circo Místico (Edu Lobo / Chico Buarque)

Não
Não sei se é um truque banal
Se um invisível cordão
Sustenta a vida real

Cordas de uma orquestra
Sombras de um artista
Palcos de um planeta
E as dançarinas no grande final

Chove tanta flor
Que, sem refletir
Um ardoroso expectador
Vira colibri

Qual
Não sei se é nova ilusão
Se após o salto mortal
Existe outra encarnação

Membro de um elenco
Malas de um destino
Partes de uma orquestra
Duas meninas no imenso vagão

Negro refletor
Flores de organdi
E o grito do homem voador
Ao cair em si

Não sei se é vida real
Um invisível cordão
Após o salto mortal

Composta como parte da trilha sonora do espetáculo teatral "O Grande Circo Místico", e gravada no LP homônimo por Zizi Possi.class="MsoNormal">___________________________________________________________________

Queridos amigos,

Este ano, como sempre, tento oferecer, a todos, alguma reflexão acerca de minha experiência.

Vã filosofia? Com certeza, pois nada se equipara a viver.

Faço isso, este ano, inspirado pela canção cuja letra foi acima reproduzida, uma descoberta recente, cujo áudio, em MP3, posso enviar a quem pedir. Como incentivo, devo dizer que é uma das dez canções mais lindas que já ouvi.

Contemplando comparativamente o que estou prestes a perder (minha profissão) com o que muitos julgam que já terei perdido (outra profissão qualquer), resolvi fazer uma espécie de desabafo.

Fiz isso frente à dolorosa contemplação do momento em que me vejo: prestes a ter de encarar a triste – mas distintamente real – possibilidade de ter de abandonar a arte que venho praticando desde a adolescência – tocar bateria –, o que pode ocorrer em função de duas limitações físicas: uma é motora, de caráter neurológico-muscular, e a outra é anatômica, de caráter neurológico-esqueletal.


Isso já vem ocorrendo há cerca de dois anos, e a condição se agrava, infelizmente, de modo lento e implacável.

Tanto que hoje não posso dizer que sei ao certo quanto tempo me resta como baterista profissional. Está difícil tocar, sim, e muito.

Mas, ainda assim, tenho condições técnicas boas o bastante para fazer com que prossiga atuando profissionalmente, consciente de minhas limitações e ciente de que devo manter-me atento ao grau delas para não prejudicar quem atue a meu lado.

Se sentir que terei de parar, irei fazê-lo, mas não sem antes ter esgotado todas as alternativas de luta.

Ainda bem que sempre tive boa saúde! Por sorte, com a graça de Deus, sempre vivi em ambientes musicais essencialmente saudáveis, em que minha opção por não me drogar (nem com bebida) foi respeitada – ou, como agora, ela era a mesma opção adotada pelos colegas.
Com isso, mantive praticamente intacta a minha saúde, à exceção do que ora me afeta, ocasionado, possivelmente, por movimentos repetitivos, que estão no cerne de minha atividade.

Estou feliz, como sempre, apesar de tudo, por dar-me conta de tudo aquilo que já realizei, do quanto já poderei ter contribuído para o bem-estar das dezenas de milhares de pessoas com quem terei compartilhado minha arte, nestes últimos 32 anos de atividade profissional.

Fico, agora, a imaginar como eu me sentiria, hoje, caso não tivesse dado o meu primeiro salto mortal. Caso tivesse cedido às tentações de usar minha inteligência (que, sem falsa modéstia, reconheço não ser pouca) em detrimento de minha vontade.

Imagino como me sentiria se tivesse escolhido tocar bateria apenas como hobby e feito algo diferente de minha vida, como estudar qualquer outra profissão, uma que fosse considerada (ou suposta) como sendo mais digna e aceitável do que a minha – por cuja escolha, uma vez comunicada em meu lar, fui expulso de casa, por meu pai, 33 anos atrás.

Eu sabia que poderia ter obtido mais, no sentido material, se tivesse agido de outro modo? Sim, nunca fui tonto. Simplesmente não o quis. Quis ser o que sou. (Ah, sim: e ainda existia a chance de ficar rico e famoso!)

Arrependimento? Nenhum, nem o mais leve. Por isso resolvi falar sobre fazer escolhas com o uso da razão que há no coração, deixando claro me machuquei feio que sempre que fiz escolhas diferentes.

Então hoje, em pleno dia de Natal, a sós com minha consciência, parei pra pensar e senti. Pensei, e cá estou, a escrever.

Agora quero compartilhar algumas impressões dos resultados que obtive, compará-los a muito do que já contemplei e a muito do que me foi dito.

Minha percepção sempre me indicou o acerto de minha decisão instintiva, nos sempre deliciosos momentos em que trabalho – sempre foi bom saber que minha plena realização dependeu apenas do cumprimento de um dom.

Por outro lado, sempre me causou algum desconforto contemplar tantos trapezistas presos ao chão. Por isso, entre outras coisas (bebidas e cigarros, tóxicos legais), sempre evitei tocar em locais em que o contato com platéias fosse íntimo. Causava-me incômodo perceber alguma melancolia em alguns olhares cheios de ardor dirigidos aos palcos em que atuei – ainda que fossem olhares plenos de admiração.

Sempre ficava, em minh'alma, aquela ponta de desconfiança se parte desse encantamento não teria origem causada na frustração de gente que, claramente, gostaria de ter dado a vida para poder estar no lugar do artista.

Nunca vi nada disso como demonstração inveja e nem cobiça, apenas como frustração por não ter feito como doidos como eu e saltado aos ares da possibilidade de vida pela qual clamava a alma de cada um.

Eu dei a minha vida para não ter de olhar ninguém assim, com algo que pudesse parecer inveja (o que, repito, sei nunca ter sido o caso, comigo, pois, ao ter sido olhado, sempre vi carinho).


Tive admiração, tive vontade, tive ímpeto, tive coragem e agi, transformando minha vida num ato ditado pela vontade mais natural que emergiu de minha alma, uma dentre tantas que emergiram, emergem e emergirão.

Hoje, feliz e realizado como artista, alguém cuja intenção é doar de si, entendo o pleno acerto de minha escolha, apesar de haver, talvez, uma outra cuja consecução pudesse levar-me à felicidade.

Mas nesta outra, à qual ora me dedico, ao estudar Direito, certamente não teria tocado tantas almas, não teria contribuído tanto para o enlevo do espírito.

Com essa perspectiva, minha vida adquire um novo valor, e sei, com certeza, que não teria sido igualmente feliz caso tivesse optado por nela ter ingressado pela via “mais fácil”, “mais natural” de ter seguido carreira como a de medicina, a exemplo da de papai. (continua)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

NATAL?

Natal = data natal = dia do nascimento.

Este dia, 25 de dezembro, é o dia natal de quem?

Se você perguntar pra qualquer criança, há cerca de 99,9% de chance de a resposta ser esta: não sei.

Ou, pior: "Ah, é de de Papai Noel!"

Bem, os tempos mudam, os costumes evoluem (?), mas o fato é a data de amanhã seria de comemoração pelos 2008 anos de nascimento de um certo Jesus, filho de Maria e do José, carpinteiro.

Jesus, também conhecido como Cristo, foi um espírito de luz encarnado em homem, cuja incumbência foi a de semear a cordialidade entre os homens.

Contrariou alguns interesses, e foi morto por isso, pregado a uma cruz, segundo os costumes da época.

Muita gente já ouviu falar dele, e muitos orientavam seus comportamentos de acordo com palavras que Jesus deixou como legado; dentre elas, estas: "ama teu próximo como a ti mesmo".

Você, caro leitor, ouviu falar de Cristo, recentemente? Ouviu menção ao dia de Natal ser aniversário dele?

Eu não, nem uma vez.

Tenho andado muito ocupado, ultimamente, então posso não ter dado conta de observar alguma menção ao fato que originou o costume da celebração natalina.

Mas como poderia? O espaço dado ao incentivo da atividade de comprar presentes, modo tosco de celebrar a data, é tamanho que mal se consegue ver outra coisa.

De um modo ou de outro, deixo aqui registrados os meus votos de que 2009 possa marcar a história como o ano em que os homens se aproximem mais do ideal de Cristo do que de tudo aquilo que nos afaste dele.

Feliz aniversário, Jesus!

Feliz Natal, meus amigos!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

PNEUS ARRIADOS

Por motivo de doença do corpo, a alma entrou em repouso, e este blogue entrará em pausa compulsória.

Volta logo, espero, assim que estiver restabelecido minha sanitas.

Beijos a todos, principalmente em mim!

sábado, 29 de novembro de 2008

Primeiro naco

Resolvi começar a usar esta ferramenta de expressão depois de mais uma das diversas etapas, todas longas, sucessivas, quiçá ininterruptas de muito escrever e falar pelos cotovelos.

Em minha defesa de falador compulsivo: durante os meus rompantes de burro do Shrek posso ter sido culpado, talvez, de falar demais - mas sem nunca ouvir menos, note-se.

Mas, mesmo assim, tenho plena consciência de que terei abusado, incontestavelmente, da boa vontade daqueles seres humanos amigos, cujos ouvidos e olhos terei invadido impiedosamente com a enchente de coisas que brotam de minha demente.

Ainda que espere sempre ter incitado curiosidade, provocado alguma graça, criado algum interesse ou suscitado alguma inspiração naqueles que conviveram com minha fase falastrona - que permanece, de qualquer modo, até a minha morte, devo ressaltar - anuncio que pretendo - sim, pretendo, porque conseguir é outra coisa - tornar-me menos ativo nesse sentido.

Desse modo, por sugestão de alguém cujos ouvidos pareceram estar por demais repletos do som de minha voz, resolvi criar este blog, embora deteste fazer coisas que estejam na moda... e NADA está tão em voga quanto cultivar as sementes dos nossos parcos - mas importantes - quinze minutos de fama no canteirinho amigo de um cantinho no ciberespaço.

Aqui você poderá vir cotidianamente, caro ouvinte-leitor costumeiro, além de quem mais quiser vir a saber do que eu esteja com vontade de dizer... ou não.

Pauta? Nenhuma. Acho que esse é o espírito disto aqui. Como diria Millôr Fernandes: "Livre pensar é só pensar." Portanto posso falar de qualquer coisa, sem ter a mínima pretensão de nada, nem mesmo de ser entendido, sequer lido. Não importa, posto que a intenção é economizar os ouvidos alheios, meu aparelho fonador e algum papel.

Se um dia eu ficar famoso com isso, faço um filme - sem baratas em big close-up - e dôo todos os lucros à caridade. Mas se disserem que eu sou viado, não acreditem! A fama só cria viados em fofocas de revistas de famosos.